segunda-feira, 26 de maio de 2008

Um hidrogeólogo (robótico) em Marte






A sonda marciana Phoenix tocou com êxito total a superfície gelada do Planeta Vermelho às 16:53 (Pacific Time) do dia 25 de Maio, já no início da madrugada do dia 26 em Portugal (um dia muito especial...). O local de pouso fica na região árctica conhecida por Vastitas Borealis, aos 68 graus de latitude norte e 234 graus de longitute este (não deve ser de Greenwich...).

Aos últimos minutos, emocionantes, pude assistir em directo através de NASA TV: http://www.nasa.gov/multimedia/nasatv/

O programa científico destinado a esta sonda é ainda mais emocionante. Dele se destaca a recolha de amostras de água (gelo) existente no solo ("permafrost") e a sua análise com instrumentos embarcados. Aguardemos o início da fase operacional. Para já, decorrem testes e a preparação de todo o equipamento para a sequência de experiências que se conta durará 3 meses. Dado o historial de sucesso das missões que pousaram correctamente (há também um lado oculto e triste de missões perdidas...), espera-se ansiosamente um grande manancial de ciência e uma extensão dos trabalhos. Não haverá neste caso a espectacularidade visual dos «globe trotters» geo-robôs Opportunity, Spirit e mesmo o pioneiro Sojourner, mas não deixa de ser a primeira missão objectivada para a água, em particular para a água subterrânea e para a água no solo, uma vez que a água na atmosfera e a água quimicamente fixa em alguns minerais já tinha sido identificada.

Resta em aberto saber se em Marte há vestígios de vida detectáveis pelos processos analíticos instrumentais que foram embarcados. Quanto aos vestígios de vida de um passado ignoto, muito provavelmente, ainda que a sonda aterrasse em cima de uma trilobite gigante ou num monte de ossos de dinossauro, não detectaria sinais de vida fóssil. Aqui na Terra, com o paradigma biológico vigente, e do qual fazemos parte, os estudos de morfologia são determinantes na paleontologia, que só marginalmente contacta com a geoquímica. No caso de existir vida actualmente em Marte (seguramente não há florestas, nem mares fervilhantes de vida, nem aves ou insectos esvoaçantes) poderá ser tão diferente da vida terrestre e estar instalada em ambientes tão exóticos que pode passar despercebida às sondas móveis ou fixas. Poderá manifestar-se por indícios bioquímicos, mas dificilmente saberíamos interpretar cientificamente os resultados por falta de provas. A vida em Marte pode ter existido ou existir nos nossos dias em condições tão estranhas e até "improváveis", à semelhança do que acontece na Terra. São exemplos os recentemente descobertos «black smokers" e os ainda mais recentes lagos de metano líquido existentes nos oceanos (já conhecia este ecossistema?) ou até o seio das rochas basálticas a vários quilómetros de profundidade, como no Estado de Washington, EUA, as nascentes hidrotermais em zonas vulcânicas activas ou o interior profundo das enormes pilhas de sedimentos onde se gerará o gás natural e o petróleo. O que estamos a fazer lá longe no Universo, pouco mais é que mandar sondas sofisticadas e dispendiosas para tentar detectar (concedam-me a bondade da caricatura e o cepticismo metodológico inerente) alguma coisa como um eventual elefante que possa viver no alto dos Himalaias através de um detector de cheiro dos seus dejectos ou um urso polar na floresta amazónica através da alergia que o pêlo poderia causar a um ser muito sensível...

Se tivéssemos ideia de que a quantidade de biomassa que existe na Terra abaixo do nível dos solos e dos fundos dos oceanos é, nos cálculos mais conservadores, pelo menos equivalente à que existe combinada na terra, mar e ar do nosso planeta Terra (e que mais ou menos reconhecemos e quantificamos), pensaríamos de forma mais humilde e diferente relativamente à questão da vida nos outros planetas. Ainda por cima, essa "nova" biomassa profunda parece não ter muitas dependências com a biomassa "convencional", mas seguramente participa e condiciona processos geológicos importantes. Esta "estranha forma de vida", que só agora começa a ser reconhecida, pode não ser mais que uma ampla representação da longuíssima estabilidade em ecossistemas "extremos" (aos nossos olhos, claro) do nosso planeta, em geral pouco afectados por sistemas exteriores (água, energia, nutrientes, substracto) e que trazem para o ano 4.56?.??2.008 da era da criação da Terra o que poderá ter-se estabelecido bem cedo. Pelo menos por volta do ano 750.000.000 (a contar do ano Zero) já existiria vida nos oceanos terrestres e o planeta Terra, tal como Marte, estavam na sua infância despreocupada, apesar do bombardeamento cósmico constante. Será que vida aparentada com esta (que já não seria a primordial, seguramente anterior!) pode estar ainda activa em Marte? Caso se adopte o paradigma do paralelismo evolutivo, em muitos dos aspectos, que vigoraria entre a Terra e Marte nos primeiros centos de milhões de anos após a condensação planetária, parece poderem justificar-se muitas analogias e condições propícias à manutenção da vida em "ecossistemas" semelhantes. Como Marte já não tem oceanos, esqueçam-se os "black smokers" e os lagos de metano subaquáticos. Mas, nem toda a água desapareceu. Seguramente, em Marte, vastíssimas quantidades de água encontrar-se-ão em aquíferos (detesto a expressão sinónima "lençóis subterrâneos", mas por respeito à maioria da minoria das pessoas que foram educacioalmente expostas a conceitos básicos de água e recursos hídricos, devo mencioná-lo) e em solos gelados ("permafrost"), para além das conhecidas calotes polares. As espessas pilhas de sedimentos reveladas por imagens de alta resolução nas falésias dos enigmáticos Valles e Chasma e das inúmeras crateras de impacto mostram condições potenciais de armazenamento e circulação de fluidos em poros. A água corrente e represada foi o meio de transporte e de deposição de sedimentos de tipos diversos em vastas extensões, gerando rochas sedimentares marcianas já analisadas in situ. E a porosidade fissural (fracturas) nos basaltos marcianos? E a fracturação (tectónica ?) e a alteração "hidrotermal" que afecta afloramentos rochosos visitados pelas sondas móveis? Quanto à criação da vida, esse passo é muito mais complexo de analisar. E quase 100% especulativo, para não falar no grande ruído conceptual da não ciência e do disparate que acompanha este tema. E não me refiro a questões enquadradas na crença religiosa ou similar. A este respeito estaremos ainda, parece-me, como estávamos há uns anos atrás quando reconhecemos (os geólogos, pelo menos) que a Explosão Câmbrica não poderia ter-se dado a partir do "nada". Até essa altura as "evidências" fósseis de períodos geológicos anteriores (a grande maioria da história do planeta Terra) não eram suficientemente reconhecidas ou bem estudadas (só tardiamente se incluem com sucesso métodos isotópicos, e muitos outros, alguns já existentes e comprovados). Actualmente, a "árvore" da vida recua os seus ramos muito mais atrás no tempo, mas as raizes estão ainda muito bem escondidas. E até pode ser que nem estejam cá, mas num outro local qualquer do Universo... Quem sabe se em Marte. Veja-se o caso polémico do célebre meteorito Allan Hills ALH84001, descoberto na Antárctida, curiosamente o local mais parecido com Marte.



Entretanto, horas ansiosas depois, chegam de Marte algumas das primeiras imagens da Phoenix, cruas ainda, da máquina e da vasta e monótona planície de solos gelados poliginais onde agora, calmamente, se arregaçam as mangas do braço robótico que há-de escavar o primeiro poço marciano...


O seguinte video, produzido pela NASA mostra como é possível colocar em Marte uma tal peça de alta tecnologia:



E, se a admiração não for suficiente, "para mais tarde recordar", um satélite artificial de Marte especializado na obtenção de imagens voltou-se para o lado e tirou, a 310km de distância, uma "fotografia" histórica da sonda Phoenix durante a fase de descida em paraquedas, uns segundos antes da sua libertação e do suave "touch down" apoiado em retro-foguetes:


Mais adiante, seguramente ainda veremos um seu retrato tirado bem do alto, com a Phoenix a escavar freneticamente o solo marciano à procura de água, como qualquer prosaico poceiro terrestre...

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